Quase 40% das pessoas que cuidam de idosos doentes em São Paulo são também idosas, revelam dados inéditos de um projeto da USP que monitora como os idosos estão envelhecendo na capital.
O fenômeno tem crescido no país e é atribuído ao processo de envelhecimento populacional, 'as famílias com menos filhos e 'a maior presença de mulher no mercado de trabalho, o que diminui a oferta do cuidado em casa.
Em amostra de 362 cuidadores de idosos em estudos pela USP, 38% tem mais de 60 anos. A maioria (75%) é mulher ou filha (o) do idoso.
"A gente chega na sala de geriatria e não sabe quem é o paciente e quem é o cuidador, ambos são idosos", diz Naira Dutra Lemos, assistente social da disciplina de geriatria da Unifesp.
A preocupação dos especialistas é que muitos cuidadores idosos também precisam de atenção 'a saúde, mas estão desassistidos pelas famílias e pelo poder publico.
Em Portugal, por exemplo, o governo garante ao cuidador três meses intercalados de férias por ano, no período, o idoso doente fica sob cuidados de uma instituição paga com recursos públicos.
"No Brasil, o que a gente vê são muitas vezes é o cuidador morrer antes do idoso cuidado", afirma a enfermeira Ieda Duarte, professora da USP e uma das coordenadoras do projeto Sabe (Saúde, Bem-estar, e Envelhecimento).
Segundo a literatura médica, cuidadores familiares idosos, tem o dobro de risco de contrair doenças físicas e psicológicas em relação á população idosa em geral. Além do prejuízo á saúde, Ieda alerta que a assistência ao idoso doente também pode ficar negligenciada, segunda ela, nessas circunstâncias só 30% das necessidades de cuidado são atendidas. "Ele faz o que pode."
A geriatra Lyina Kawazoe, da Unifesp, tem a mesma preocupação: "Se ele não consegue cuidar de si próprio, como vai poder cuidar do outro?"
Em São Paulo, vivem 1,4 milhões de idosos acima de 60 anos (12% da população), a maioria tem duas patologias ou mais (80%). Entre 80 e 90 anos, 20% deles apresentam demências - a partir dos 90, a taxa sobe para 40%.
Por conta do aumento da demanda, a Unifesp criou um ambulatório específico para tratar os cuidadores dos idosos acompanhados no serviço de geriatria. conta com quatro médicos, duas assistentes sociais e duas psicóloga e atendente com hora marcada.
"Os cuidadores apresentam uma carga de estresse muito grande e doenças ostearticulares por conta do peso (do idoso doente) e do desgaste da função", afirma Naira Dutra, que defendeu tese de doutorado na Unifesp sobre o tema.
A maioria dos 176 cuidadores que já passaram por lá é mulher (85%) e tem 71 anos em média, o mais velho, o pedreiro aposentado Antonio Joaquim dos Santos, 92 anos, por exemplo, cuida da mulher de 86 anos que tem Alzheimer.
Segundo o projeto USP, 52% dos cuidadores de idosos com problemas cognitivos desempenham sozinho a função há mais de cinco anos.
"Eles vão deixando de ser o que são, descuidam da própria saúde e se tornam o único responsável pela vida do outro", diz Naira.
Também s tornam mais vulneráveis a sintomas como depressão, fadiga, frustração, redução de convívio social e diminuição da autoestima, segundo a psicóloga brasileira Lisneti Maria de Castro, pesquisadora da Universidade de Aveiro (Portugal). A sobrecarga física e emocional também gera sentimentos de raiva, ressentimento e amargura.
"O cuidador pode se transformar numa pessoa intolerante, facilmente irritável, amarga e se distanciar da pessoa de quem cuida". Ela afirma que o apoio social, seja dos outros familiares e de amigos, ou de uma rede de cuidados, aumenta a satisfação em relação á vida.
ESTADO
No congresso brasileiro de geriatria, que aconteceu semana passada em Belém (PA), os especialistas defenderam que os governos criem com urgência alternativas de cuidados para idosos que moram sozinhos ou apenas com cônjuge também idoso.
Cuidadores profissionais pagos pelo Estado ou estímulo financeiro aos cuidadores familiares são algumas delas. "É uma necessidade real e urgente, a grande maioria das famílias não tem recursos para ganhar um cuidador formal", diz Kawazoe. Na Espanha, por exemplo, o governo paga um valor ás famílias, que varia de acordo com o grau de dependência do idoso, quanto maior o grau, maior o subsídio.
Fonte: Claúdia Colluci
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